Por meio do programa Projetos Especiais, o Parque Tecnológico da UFRJ apoia diversas iniciativas sustentáveis em PD&I oriundas da Universidade e alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Uma delas é uma solução sustentável para a substituição de plásticos descartáveis: bioplástico produzido a partir de algas cultivadas artificialmente na Baía de Guanabara e em efluentes industriais de cervejaria.
Esse projeto inovador, liderado pela bióloga e doutora em Bioquímica Anita do Valle, utiliza macro e microalgas em um processo que, além de resultar em bioplástico, descarboniza o ambiente e purifica águas, promovendo benefícios ecológicos e sociais.
“Graças ao financiamento do Parque, o bioplástico não teria saído do papel e se tornado uma realidade viável para a sociedade”, destaca Anita do Valle, responsável pelo projeto.
Com o apoio do programa Projetos Especiais, o Parque Tecnológico da UFRJ já investiu mais de R$ 5 milhões em iniciativas alinhadas aos ODS da ONU. Essa pesquisa integra os conceitos de bioeconomia circular, convertendo resíduos em bioplásticos biodegradáveis.
Saiba mais sobre o programa Projetos Especiais
Leia a entrevista completa com a pesquisadora Anita do Valle para entender os desafios e o impacto dessa tecnologia inovadora para a sustentabilidade urbana e a bioeconomia:
1.Como foi concebida a ideia de utilizar macro e microalgas como matéria-prima para a produção de bioplásticos? Quais são os benefícios em relação às fontes tradicionais?
A ideia de utilizar macro e microalgas como matéria-prima para produção de bioplástico surgiu do conhecimento das propriedades químicas dessas biomassas. Esta ideia estava sendo concebida no mestrado da estudante Jéssica Mendes e também foi apoiada pela Startup Grisea. Os benefícios principais do bioplástico que produzimos estão concentrados nas suas características sustentáveis, naturais e totalmente solúvel no ambiente terrestre ou aquático.
2. Onde essas microalgas são cultivadas? Poderia falar um pouco sobre o processo desde o cultivo à produção do bioplástico?
Para tornar nosso processo de produção sustentável, a microalga foi cultivada em efluente bruto industrial de cervejaria e a macroalga foi cultivada na água da Baía de Guanabara. Após duas semanas de crescimento nessas condições, as biomassas foram retiradas dos cultivos, secas e misturadas em diferentes concentrações com a adição de sorbitol e ácido acético. A mistura foi espalhada numa superfície lisa para formação do bioplástico via casting. O bioplástico foi seco em estufa por aproximadamente 24h e, após este período estava pronto para ser utilizados nos testes.
3.Quais os principais desafios tecnológicos enfrentados na pesquisa e desenvolvimento desse tipo de bioplástico?
O principal desafio foi desafiar as algas (macroalga e microalga) a crescerem em efluente bruto industrial de cervejaria e numa água eutrofisada de ambiente costeiro, como a Baía de Guanabara.
4.De que forma o sistema de cultivo sustentável utilizado neste projeto contribui para atender aos princípios do ODS 11, especialmente em termos de tornar as cidades e comunidades mais sustentáveis e resilientes?
Este projeto promove a sustentabilidade das cidades e comunidades na medida em que trata sistemas aquáticos eutrofisados, como o ambiente da Baía de Guanabara. Muitas cidades fazem limite com a Baía de Guanabara e eutrofisam o sistema aquático. Utilizando as macroalgas, o nosso projeto mostrou que, em duas semanas de cultivo, tanto a qualidade visual da água quanto os componentes que eutrofisam a água são removidos pela alga. As microalgas tratam o efluente bruto de cervejaria, tornando-o enquadrado para desague nos corpos hídricos antes da passagem pela estação de tratamento de efluentes. Além desses benefícios, as algas removem CO2 atmosférico através da fotossíntese numa proporção de 2g de CO2 para cada g de biomassa produzida, tornando a atmosfera das cidades com menores índices de CO2, que é o principal gás de efeito estufa.
5.Como a escolha por macro e microalgas como base para o bioplástico pode impactar positivamente a sustentabilidade urbana e a economia circular, contribuindo para a redução de resíduos e a descarbonização?
Este projeto está alinhado com a economia circular, na medida em que trata efluentes influentes industriais e sistemas aquáticos eutrofisados através das algas. As algas fixam CO2 através da fotossíntese gerando uma biomassa rica em substâncias ativas através da remoção dos compostos eutrofisantes do efluente e do sistema aquático. A biomassa obtida gera um bioplástico sustentável e solúvel, não acumulando no ambiente. Assim, solucionamos a eutrofização dos sistemas, removemos CO2 e reduzimos os resíduos plásticos com um bioplástico natural e solúvel.
6.Como você enxerga a aplicação desses bioplásticos em larga escala, especialmente em setores que têm uma alta demanda de materiais sustentáveis nas cidades, como construção civil ou embalagens?
Esses bioplásticos podem ser utilizados como plásticos de uso único, especialmente aqueles que servem para embalar canudos, palitos de dente, guardanapos. Especialmente em embalagens de produtos secos ou oleosos. Não se aplicam desta forma, para líquidos, tendo em vista sua propriedade de alta solubilidade em sistemas aquáticos e terrestres, mas são ótimas opções sustentáveis para os demais produtos.
7.De que forma este projeto se alinha aos princípios da bioeconomia e quais os impactos esperados para cidades que buscam desenvolver uma economia mais verde e inclusiva?
Na medida em que os conceitos da bioeconomia estão baseados numa economia baseada em insumos naturais, biológicos e sustentáveis, este projeto se alinha diretamente com esses princípios. O bioplástico produzido num sistema sustentável traz uma alternativa para o plástico convencional, tornando a economia do plástico convencional mais verde e inclusiva. O aspecto verde se destaca pela sustentabilidade de biodegradabilidade do produto e o aspecto inclusivo aponta para uma rede produtiva do bioplástico, onde participam mulheres, famílias de pescadores e cooperativas interessadas.
8.Qual a importância do suporte financeiro do Parque Tecnológico da UFRJ para viabilizar o cultivo sustentável de algas e o desenvolvimento de novas tecnologias de produção de bioplástico?
Graças ao financiamento do Parque Tecnológico conseguimos instalar a planta de cultivo industrial no LADETEC, adquirir todos os materiais e ainda realizar o pagamento de uma bolsa para um estudante de IC da UFRJ. Sem este recurso, o bioplástico não teria saído do papel e se tornado uma realidade viável para a sociedade.
9.Quais são as metas futuras do projeto em termos de escalabilidade e expansão da produção?
Ainda estamos mantendo as macroalgas em cultivo na água da Baía de Guanabara, o que valida o nosso sistema de cultivo industrial em tanques. A principal meta futura será realizar o cultivo da macroalga em balsas, diretamente na água da Baía de Guanabara. A abertura de uma balsa teste em ambiente natural seria uma ótima oportunidade para validade o sistema de produção, despoluir a água da Baía de Guanabara diretamente no sistema natural e ainda garantir a escalabilidade da produção do bioplástico. A escalabilidade hoje é limitada pela capacidade de cultivo nos tanques.
10.Se você pudesse definir a importância do seu projeto em uma frase, qual seria?
O bioplástico de algas é capaz de reduzir as emissões de carbono, além de tratar sistemas naturalmente eutrofisados num sistema circular tornado as cidades e comunidades mais limpas e sustentáveis.