Dia 8 de julho é celebrado o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador! A data é uma oportunidade de reconhecer e valorizar a importância desses profissionais para o desenvolvimento do país, destacando seu trabalho na produção de conhecimento e inovação e no avanço científico e tecnológico.
Para evidenciar essa importância, o Parque Tecnológico da UFRJ entrevistou o professor Roberto Lent, à frente do Laboratório de Neuroplasticidades da UFRJ. Seu principal objeto de estudo é o cérebro e a linha principal do laboratório é associar o desenvolvimento cerebral com a plasticidade e a capacidade das conexões se adaptarem a contingências do ambiente interno e externo. O interesse pela área surgiu após a chegada de sua filha, que nasceu com uma malformação congênita em uma parte do cérebro. Confira a entrevista:
1. O que são as alterações do cérebro que se dão pelo ambiente externo?
Imagina uma pessoa que sofre um traumatismo e tem que fazer amputação de um braço. Essa pessoa não tem um braço, mas a região do cérebro que processa o braço está sadia, porque ela perdeu o braço e não os neurônios correspondentes. Então o cérebro tenta ocupar aqueles neurônios que ficaram vagos pela ausência do membro. Quem faz isso são as regiões vizinhas (ombro, rosto…), então a pessoa passa a ter a sensação de que o braço tá sendo tocado quando uma brisa sopra ou quando alguém toca o rosto, porque o cérebro acreditou que era o braço. Se chama síndrome do membro fantasma: a pessoa tem sensações de que o membro que não existe está lá e podem sentir coceira, dor, movimentos de uma parte do corpo que não existe.
Um exemplo do bem, vamos dizer assim, é o que acontece com os cegos. É da mesma forma, ficou cego, fica vaga a região do cérebro responsável pela visão. Os neurônios estão lá, só que a pessoa perdeu a retina, por exemplo. Daí,a região do cérebro que está mais próxima, a região do tato, ocupa a visão e você fica com um tato espetacular. Por isso que eles deficientes visuais tem sensibilidade para o braile. O braile explora uma sensibilidade que fica aumentada com a cegueira.
2. Como acontecem os estudos de plasticidade cerebral?
A gente tem várias técnicas, usamos modelos animais, nos quais a gente simula as condições humanas e modelos humanos que são pacientes. Por exemplo, a gente tem muito trabalho feitos com amputados. Certa vez, um aluno doutorando e cirurgião conseguiu voluntários de um time de futebol e publicamos até artigo. A ideia era investigar as alterações na conectividade inter-hemisférica desses indivíduos usando técnicas de ressonância. Depois a gente fez um modelo animal, a gente trabalha com animais amputados, camundongos ou ratos. E aí no caso do animal, você pode estudar o neurônio, que você não pode na imagem por ressonância. Aí você pode entrar com uma pipeta fininha e marcar um neurônio e aí você segue quem mora aqui, a fibra que vai até o outro lado. Você faz isso por microscopia e faz toda a reconstrução da fibra. Aí você tem uma abordagem mais microscópica da questão.
O que a gente vai fazendo é um processo cumulativo, né? Eu já tenho certeza que eu não vou ganhar um prêmio nobel, mas cada artigo que a gente publica é original por definição. Então a gente soma um pedacinho a mais no conhecimento do conjunto e aí você gera algumas hipóteses. Quando a gente começou a olhar os acalosos, que são os que não tem essas fibras que se chamam corpo caloso, a gente começou a descobrir uma série de circuitos anormais, anômalos, que todos eles têm. Isso significa que todo o acervo de conexões do cérebro tá modificado nesses casos e a gente foi descobrindo que todos os casos há modificações, como no caso dos cegos e dos amputados.
Cada um de nós tem 86 bilhões de neurônios, foi uma coisa que a gente determinou aqui no laboratório, esse talvez seja um marco. Não são 100 milhões, o número redondo que todo mundo gosta. Esses 86 bilhões de neurônios, cada um tem quase em torno de dez mil circuitos. Daí se multiplicar 10 mil por 86 milhões dá 860 trilhões. 860 trilhões é o número de circuitos que você tem no seu cérebro, cada um de nós.
3. Como nasceu a máquina que levou a descoberta da quantidade exata de neurônios?
A gente desenvolveu uma técnica para fazer uma contagem dos números absolutos de neurônios no cérebro humano e de outros animais. Foi a partir daí que publicamos serem 86 bilhões, não 100 bilhões, como gostam de arredondar. O fracionador celular automático desmancha pedaços do cérebro e contabiliza a quantidade de células. Foi um trabalho em colaboração inicialmente com a Suzana Herculano-Houzel. Ela foi feita por um engenheiro cuja esposa trabalha no Instituto de Química daqui da UFRJ. Fizemos o desenho, ele nos ajudou, mas essa máquina não serve para nada a não ser fazer projetos de pesquisa.
4. Vocês têm parcerias com empresas aqui no laboratório?
A gente tem uma grande associação com o instituto Dor, que é uma instituição sem fim lucrativos mantida pela Rede Dor. A presidente do Instituto Dor, Fernanda Freire Tovar-Moll, foi minha aluna de doutorado. A gente faz uma associação que tem sido muito produtiva porque a gente consegue utilizar uma máquina de ressonância magnética que a gente não consegue aqui no HU. A gente tem uma máquina muito poderosa e a gente tem outros instrumentos e equipamentos que a gente não tem condições de adquirir aqui e faz com o Instituto Dor.
É uma parceria público privada. Geralmente, parceria pública e privado é uma contratação entre duas entidades e aqui é uma coisa mais informal. É o laboratório do Roberto com o grupo da Fernanda. Então podemos dizer que o laboratório tem uma parceria com o Instituto Dor.
5. Depois de todos esses anos de pesquisa, você acha que entende o cérebro?
Não, não entendo nem o meu, quanto mais o dos outros (risos). Tá muito longe, mas isso é bom na pesquisa. O melhor da pesquisa são as perguntas, não as respostas. Tá cheio de perguntas sobre o cérebro, isso que é gostoso. Será que o cérebro consegue entender completamente a si próprio? Não sei, mas o caminho é interessante e isso tem uma série de repercussões.
[bio via escavador] Roberto Lent é graduado em Medicina, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1972), meste em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1973), doutorado em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1978), e pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (1979-82). É Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador do Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa, e foi diretor por dois mandatos do Instituto de Ciências Biomédicas (2007-2014). É membro titular da Academia Brasileira de Ciências, Pesquisador 1A do CNPq, e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Atualmente é Coordenador da Rede Nacional de Ciência para Educação e Diretor da Academia Brasileira de Ciências. Chefia o Laboratório de Neuroplasticidade do Instituto de Ciências Biomédicas, e um Grupo de Pesquisa em Neurodesenvolvimento e Neuroeducação no IDOR. Atua na área de Morfologia, com ênfase em Neuroembriologia, desenvolvendo as seguintes linhas de pesquisa: desenvolvimento e plasticidade do córtex e comissuras cerebrais, quantificação de estruturas cerebrais de diferentes espécies, e estudos do córtex cerebral humano. Atua também em Educação e Divulgação Científica para adultos e crianças, com livros publicados para ambos, e crônicas semanais sobre neurociência no jornal O Globo.
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