Fonte: Valor Econômico |
Nem Tesouro nem Banco Central (BC) assumem, mas entregar um superávit primário equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) será uma missão praticamente impossível neste ano.
O esforço fiscal necessário ao pagamento de juros e redução do endividamento está em R$ 10,205 bilhões no ano até agosto (0,3% do PIB), frente a uma meta de R$ 99 bilhões. Para a conta fechar, o governo tem de economizar R$ 88,795 bilhões no último quadrimestre do ano, ou R$ 22,198 bilhões por mês, algo nunca registrado.
Ainda assim, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, reafirmou que essa é a meta do ano e tal postura decorre de “eventos importantes que ainda vão acontecer até o fim deste ano, como o Refis”. Por mais que o programa de parcelamento de dívidas tributárias gere forte arrecadação, em torno de R$ 18 bilhões, ainda faltariam cerca de R$ 70 bilhões para fechar a conta.
De acordo com dados divulgados ontem pelo BC, no acumulado em 12 meses até agosto, o superávit primário é de 0,94% do Produto Interno Bruto (PIB), o menor da série histórica do BC iniciada em 2001. Em termos nominais, o superávit em 12 meses soma R$ 47,498 bilhões.
Do superávit do ano, o governo central contribui com apenas R$ 1,524 bilhão, para uma meta de R$ 80,8 bilhões, enquanto governos regionais fazem R$ 9,121 bilhões, para meta de R$ 18,2 bilhões. Augustin também mostra confiança que os entes subnacionais atingirão a meta. No entanto, quem define boa parte do superávit deles é o governo central, via autorização para gastos e investimento e repasses de tributos.
Questionado sobre a dificuldade de cumprir a meta, o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel, disse que a questão tem de ser endereçada ao Ministério da Fazenda, mas reconhece que o desempenho do setor público em agosto deixou o cumprimento da meta mais difícil.
Claro que os resultados agora tornam o cumprimento da meta mais distante, mas o Tesouro vem trabalhando para cumprir a meta do ano, afirmou Maciel.
Em agosto, o governo central, que reúne as contas do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central, teve o pior resultado da história para o mês ao registrar déficit de R$ 10,422 bilhões, de acordo com dados divulgados pelo Tesouro Nacional. O resultado só não foi pior devido à entrada de R$ 5,399 bilhões em dividendos.
No acumulado do ano, pelo critério utilizado pelo Tesouro, o superávit primário é de R$ 4,675 bilhões, o pior desempenho desde 1997, quando foi de R$ 4,591 bilhões. Na contabilidade do BC, no entanto, o resultado é ainda menor, R$ 1,524 bilhão.
A discrepância é vista com normalidade tanto por Augustin quanto por Maciel. Segundo Maciel, o que mais gera discrepância entre os resultados calculados pelo BC e pelo Tesouro é a flutuação mensal. “Pode ser um conjunto de informações do lado das receitas ou despesas que foi registrado em um local e não em outro, mas que será visto no mês seguinte, onde ainda não apareceu”, disse.
Maciel disse que a discrepância de dados no Brasil está abaixo da média observada em outros países, incluindo emergentes e desenvolvidos, e que isso será abordado por um “box” no próximo Relatório Trimestral de Inflação (RTI).
Embora se mostre reticente em cravar que o superávit não será entregue, o BC apresenta uma postura um pouco mais realista. Na segunda-feira, ao apresentar o relatório trimestral, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, disse que há um risco de a política fiscal se tornar expansionista em 2014, embora a hipótese de trabalho oficial do BC continue sendo de neutralidade. Para 2015 e 2016, a hipótese é de neutralidade, mas o risco é de política fiscal contracionista, na avaliação do BC. Há riscos assimétricos, segundo Hamilton.
De acordo com Maciel, uma avaliação da política fiscal tem de ser feita em um quadro mais amplo. As estatísticas, disse ele, refletem um conjunto de medidas adotadas desde 2010, que visavam mitigar os impactos da crise internacional, como as desonerações da folha de pagamentos e outras ações adotadas para somar competitividade ao segmento industrial.
São aspectos que não podem ser desconsiderados, disse Maciel, acrescentando que o menor crescimento da economia em 2014 também tem impacto sobre a capacidade de geração do superávit primário. Para o ano, o BC estima uma alta de 0,7% do PIB.
O mês de agosto marcou o quarto déficit primário consecutivo. Na métrica do BC, o déficit do setor público consolidado foi de R$ 14,460 bilhões, maior para a série histórica. Esse resultado negativo se somou a uma conta de juros de R$ 17,016 bilhões o que resultou em um déficit nominal de R$ 31,476 bilhões para o mês.
O buraco não foi ainda maior porque a conta de juros sofreu descontos, já que o Banco Central ganhou R$ 2,479 bilhões com as operações de swap cambial, que faz para controlar a volatilidade do dólar, e pagou menos aos detentores de títulos atrelados à inflação, pois o IPCA de julho foi próximo de zero.
Em 12 meses, a conta de juros consome o equivalente a 4,97% do PIB, ou R$ 250,757 bilhões. Já o déficit nominal é de 4,03% do produto, ou R$ 203,258 bilhões, o maior desde novembro de 2009.
O baixo superávit também bate nas métricas de endividamento. A dívida líquida sobre o PIB subiu de 35,4% para 35,9%, maior desde março de 2012. Mas para o mês de setembro, a projeção é de retorno para a linha dos 35%. Isso porque o dólar sobe forte no mês, o que aumenta o valor das reservas internacionais brasileiras quando convertidas para reais.
Já a dívida bruta subiu para 60,1% em agosto, passando da linha dos R$ 3 trilhões pela primeira vez. Esse percentual é o maior desde janeiro de 2010. A alta decorre do aumento das operações compromissadas que o Banco Central faz para controlar a liquidez no mercado. Essas operações avançaram de 14,1% do PIB para 14,9% do PIB de julho para agosto.