Fonte: Valor Econômico |
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apresentou um relatório, no início deste mês, que aumentou as preocupações quanto ao PIB brasileiro. O órgão reduziu a previsão de crescimento da economia, em 2014, para 1,8%, ante estimativa de 2,2% em novembro do ano passado. Ao anúncio da projeção, seguiram análises de autoridades do governo preocupadas em explicar a retração. Contudo, essas se detiveram nos aspectos conjunturais da queda, quando, na verdade, é preciso colocar em perspectiva os fatores negativos que, no médio e no longo prazo, impactam as contas nacionais. É o caso da queda dos investimentos no país em inovação.
A tendência de redução dos aportes das empresas em pesquisa e desenvolvimento no Brasil foi detectada pelo relatório Global Innovation Index 2013. Elaborado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, OMPI, e Universidade Cornell, de Nova York, o levantamento aponta que, em 2012, o Brasil perdeu seis posições, caindo para o 64º lugar, atrás de Chile, 46º; Uruguai, 52º; Argentina, 56º; e México, 63º. Comparada a 2011, a queda foi ainda maior: 17 posições. Desfilados os números preocupantes da inovação no país, resta aguçar seu diagnóstico.
Companhias inovadoras se lançam em pesquisas sobre uma nova ciência ou tecnologia investindo altíssimos recursos ao longo de muitos anos. Ainda que rigorosamente planejado, muitas vezes o projeto acaba sem sucesso, caindo no que Carlos de Brito, diretor da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo, Fapesp, chama de “vale da morte das inovações”. Os recursos oficiais, via BNDES, de cerca de R$ 5 bilhões para inovação, em 2013, não cobrem riscos do negócio. Mas, esclareça-se, antes de parecer que as empresas pleiteiam mais verbas do governo, o receio do insucesso está longe de ser o desestímulo das empresas em investirem – inclusive porque estas já lidam com a incerteza intrínseca da corrida por novas descobertas. O desalento crescente só pode ser explicado por outros fatores.
Um deles é a lentidão da burocracia que arrasta, por inviáveis longos anos, a aprovação de novos produtos e tecnologias. O outro é o ambiente absolutamente instável dos marcos regulatórios, quase sempre ideologicamente hostil às tecnologias desenvolvidas globalmente. Veja-se, por exemplo, o reflexo dessas distorções na pesquisa e desenvolvimento dos agroquímicos, tecnologia fundamental para o controle de pragas na agricultura brasileira – e cujo bom desempenho tem evitado a débâcle do PIB.
As empresas de P&D do setor no Brasil foram instadas a adiar projetos, reduzindo os aportes de R$ 65 milhões, em 2012, para estimados R$ 60 milhões em 2013. Diante da falta de estímulo à inovação e investimentos no país, as empresas precisam recorrer à importação das novas tecnologias de combate às pragas. Assim, ingredientes ativos que poderiam ser desenvolvidos e produzidos no Brasil vêm sendo trazidos, em volumes cada vez maiores, de plataformas de outros países. As importações saltaram de 275 mil toneladas, em 2012, para 344 mil toneladas este ano – alta de 25%. Em valores, as aquisições externas aumentaram, respectivamente, de US$ 6,5 bilhões para US$ 7,4 bilhões. A redução dos investimentos em inovação e desenvolvimento no Brasil e seu redirecionamento para outros países expõe a necessidade de o Brasil rever o atual marco regulatório da defesa fitossanitária. Urge desburocratizar algumas etapas, trazendo previsibilidade para o registro de novos produtos e tecnologias, sem abrir mão do que existe de mais avançado na ciência.
Ocorre que, quando foi criada a atual legislação do setor, em julho de 1989 – um quarto de século atrás -, a safra brasileira era de apenas 38,9 milhões de toneladas, ou seja, 1/5 da colheita estimada para 2014. Nem de longe especialistas americanos e europeus imaginavam que o Brasil alcançaria a posição de um dos principais players mundiais em alimentos, fibras e energia, sagrando-se o maior exportador de soja, açúcar, laranja, carnes bovina e de frango, etanol e uma dezena de outros itens agropecuários. Entre 1992 e 2011, o saldo comercial cresceu 574%. O agronegócio emprega 23% de toda a mão de obra do país; seu vigoroso desempenho explica o fato de, entre as 20 primeiras cidades no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 12 terem base econômica agropecuária.
A atual legislação estabelece que a avaliação de novos ingredientes ativos deve ser concluída em até 120 dias. No entanto, os processos têm se arrastado de forma muito mais lenta do que a voracidade das pragas nas lavouras. Os números a seguir mostram a incapacidade dos órgãos regulatórios do setor – Ministério da Agricultura, Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa – disponibilizarem aos agricultores, com o rigor científico e a agilidade necessária, as novas tecnologias para defesa das plantações.
No ano de 2005, os órgãos oficiais aprovaram 27 inovações, que foram importantes para a defesa agropecuária e o salto na produção. Mas, em 2008, foram registrados apenas 11 novos ingredientes ativos; em 2009, as aprovações caíram para oito produtos novos; em 2010, para quatro; no ano seguinte, reduziram para dois e, em 2012, a morosidade atingiu o fundo do poço: apenas um novo produto chegou às plantações. A regulamentação inadequada aos dias de hoje, acrescida da falta de estrutura e burocracia excessiva dos órgãos registradores, resultou no atual quadro de pânico, e elevados prejuízos, que novas pragas estão levando às plantações do país – segundo estima a Aprosoja, foram R$ 2 bilhões na safra de grãos em 2013, e pode chegar a R$ 10 bilhões em 2014; as perdas também se alastram em culturas de frutas e hortaliças.
O reordenamento do marco regulatório deve se alinhar às modernas e rigorosas bases científicas hoje disponíveis à comunidade internacional. A correção nos rumos precisa oferecer um horizonte às empresas para inovar e investir no país. Mas, principalmente, disponibilizar as tecnologias mais avançadas aos agricultores, que lideram a trajetória do país rumo à superação dos desafios na produção de grãos, fibras e fontes de energias vegetais para o Brasil e o mundo.
João Sereno Lammel é engenheiro agrônomo e membro do conselho diretor da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).