A tuberculose é uma doença antiga, mas seu impacto é atual – e crescente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de mortes pela tuberculose subiu 20% entre 2019 e 2020, saltando de 1,2 milhão para 1,5 milhão de casos. Hoje, a tuberculose continua sendo uma das doenças infecciosas mais mortais do mundo, com aproximadamente 30 mil casos e 4,5 mil mortes por dia.
Após 11 anos, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou uma nova resolução que dispõe sobre vigilância, promoção, prevenção, diagnóstico, atenção, tratamento e reabilitação relacionados à tuberculose no Sistema Único de Saúde (SUS). A REDE-TB, empresa residente do Parque Tecnológico da UFRJ que atua na pesquisa e combate à tuberculose, teve participação ativa na elaboração da nova resolução.
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No mês em que é evidenciado o Dia Mundial de Combate à Tuberculose (24/03), conversamos com o presidente da REDE-TB, Dr. Ricardo Alexandre Arcêncio. Ele falou sobre novos tratamentos mais curtos, a importância de ter uma sede no Parque Tecnológico da UFRJ, o financiamento de pesquisas, a necessidade de nacionalização da vacina BCG e a relação entre a REDE-TB e o conhecimento produzido na UFRJ.
Confira a entrevista na íntegra:
1. Por que demorou 11 anos para ser publicada uma nova resolução do Conselho Nacional de Saúde sobre a tuberculose?
Esse tempo de espera tem a ver ao fato que a Tuberculose é uma doença negligenciada, e quando dizemos isso, não significa que ela só afeta as populações negligenciadas, mas que ela também é negligenciada na política, na agenda pública de saúde, nos mecanismos de proteção social, na sociedade. A Sociedade Civil Organizada vem lutando há anos para que isso fosse possível, e as autoridades sanitárias que hoje ocupam os cargos de gestão estão bastante sensíveis com o problema, porque a TB e outras doenças negligenciadas sempre foram uma luta nossa. Hoje temos no Ministério da Saúde autoridades no assunto, pesquisadores protagonistas com belíssima trajetória na saúde coletiva, com produção de evidências científicas importantes para a construção e fortalecimento do SUS, autoridades com uma compreensão ampliada de saúde, da determinação social da TB e que sabem a importância desta Resolução. A partir dessa Resolução, se disparam outros processos de inclusão e priorização da TB na agenda da saúde e movimentos em prol do SUS.
2. Quais diferenciais essa nova resolução traz?
Interessante questão: Primeiro, que passados 11 anos é necessário sempre atualizar a política, pois o mundo muda, a sociedade muda, os contextos e necessidades também. A evolução e velocidade da ciência é sagaz; a cada dia uma nova evidência, uma nova tecnologia, um protocolo, um esquema terapêutico, que são ferramentas importantes que devem ser consideradas no enfrentamento e manejo da TB. Portanto, a política deve acompanhar toda essa dinamicidade, velocidade e complexidade, sob a pena de se tornar obsoleta. Especificamente sobre a nova Resolução (709 de 16 de março de 2023), a diferença em relação à anterior é que ela já começa partindo do princípio de direito, direito social, sai de um formato mais prescritivo, da lógica programática, com foco na doença, no indivíduo, para a de pessoa detentora de direito. Essa é uma questão fundamental, porque na medida que reconhece seu direito, que acena para o Estado democrático de Direito, essa pessoa deve gozar de todas as prerrogativas, do reconhecimento da sua cidadania, de um tratamento digno, acolhedor, respeitoso, que valorize suas preferências, sua autonomia nos processos decisórios, seu envolvimento no plano de cuidado.
Então a resolução, sai do escopo de lógica cartesiana, positivista, da doença, do “caso”, de “paciente”, posição de passividade ante as decisões médicas, para a de atividade, como protagonista no seu caminhar da vida/ nas combinações, ele está na centralidade do processo e deve ser envolvido, e adotar decisões terapêuticas compartilhadas. A Resolução traz, ainda, de maneira enfática a participação da sociedade civil para o “Advocacy”, a comunicação, educação em saúde, mobilização social das comunidades. Da necessidade da articulação entre setores face a complexidade social da TB (gestão intersetorial), sobre as Redes de Atenção, de fluxos e contra-fluxos que orientam as pessoas com TB nessas Redes. Destaco, também, a questão da prevenção, tratada de maneira bem tímida e genérica na versão anterior, mas que nesta esmiuça, traz mais detalhes, sendo muito assertiva sobre o diagnóstico e tratamento da TB latente e ainda faz induções quanto às estratégias para alcance e prevenção da TB entre pessoas em situação de vulnerabilidade. Observo, ainda, que a pesquisa ganhou destaque, e junto desse quesito a inovação, no sentido de garantir as melhores evidências e melhores produtos tecnológicos, que atenuem o sofrimento e promovam melhoria da qualidade de vida das pessoas afetadas pela TB. Enquanto a versão anterior mencionava “expandir a política de pesquisa sobre TB”, na nova resolução é dito sobre uma agenda integrada de pesquisa, instituições de pesquisa e sociedade civil, e ainda muito enfática sobre financiamento para a pesquisa no país. Para se fazer pesquisa, precisa de financiamento.
3. Fale um pouco sobre a participação da REDE-TB na construção da nova resolução
A REDE-TB tem contribuído em todas as políticas que se relacionam à TB, seja pela articulação com o Ministério da Saúde, Secretarias de Estados e municípios; pela articulação da Sociedade Civil nas consultas públicas e também nos espaços onde é convidada. A REDE-TB sempre é convidada para essas discussões, e com essa Resolução não foi diferente. Aproximadamente 80 a 90% das pesquisas que são produzidas no Brasil estão articuladas com algum membro da REDE, portanto há uma grande sintonia da REDE com a política e governos.
4. Há alguma novidade, em termos de pesquisa científica, em relação ao combate à tuberculose?
Sim, algumas novidades. A primeira delas é sobre o tratamento encurtado para a TB. Algumas pesquisas conduzidas por nossos pesquisadores já acenam que o tratamento de TB sensível de 4 meses tem excelentes evidências. Hoje, o tempo de tratamento é de 6 meses entre as pessoas com TB sensível. Também no campo da TB resistente, nossa meta é a redução do tempo de tratamento em 6 meses (hoje leva mais de 12 meses). Também nossos pesquisadores têm trabalhado para desenvolvimento de novas tecnologias diagnósticas, com uso de Inteligência Artificial que melhorará significativamente a acurácia diagnóstica, precisamente nas imagens de Raio X. Também falamos hoje da nacionalização da vacina BCG, que temos pesquisadores envolvidos da REDE-TB, e será um ganho significativo para o Brasil e momento marco na história da TB.
5. Qual é o foco da atuação da sede da REDE-TB no Parque Tecnológico da UFRJ? Já foi feita alguma parceria com pesquisadores/alunos da universidade?
A REDE-TB congrega pesquisadores das diferentes regiões do Brasil, e do mundo; e hoje a sede dessa REDE (pioneira e referência para Organização Mundial da Saúde) está no Parque Tecnológico da UFRJ. Posso dizer que a UFRJ foi a matriz da REDE-TB, porque os pesquisadores que constituíram nossa REDE são da UFRJ, com envolvimento de estudantes e pesquisadores. Portanto, as articulações ao longo dos anos foram se fortalecendo ainda mais, com novas entradas de pesquisadores também dessa instituição. Assim, a parte de gestão de projetos de pesquisa da REDE-TB estão na nossa sede, no Parque Tecnológico, o que é absolutamente importante para a sustentabilidade e continuidade desses projetos, e para se fazer ciência sobre TB no país. A REDE hoje hospeda um grande projeto para o Estado do Rio de Janeiro para eliminação da TB, em articulação a Secretaria de Estado do Rio de Janeiro e PAHO, portanto as contribuições dessa instituição são, sem dúvida, muito significativas para o fim da doença, enquanto um problema de saúde pública.
Dr. Ricardo Alexandre Arcêncio é Professor Associado da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Bolsista produtividade em pesquisa CNPq nível 1C na área de Enfermagem. Pós-Doutorado pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova Lisboa. Doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), com período sanduíche na Universidade de Johns Hopkins pelo projeto International Clinical, Operational and Health Systems Research in AIDS and Tuberculosis (ICOHRTA AIDS/TB). Vice-presidente da Comissão de Pesquisa da EERP-USP. Líder do Grupo de Estudos Epidemiológicos Operacionais em Tuberculose da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (GEOTB-REDE-TB). Coordenador da Área Operacional da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (REDE-TB). Membro do Grupo de Pesquisa Global Health and Tropical Medicine do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa e membro da International Union Against Tuberculosis and Lung Disease (The Union).
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