
“As mulheres ainda precisam ser duas vezes mais competentes que os homens para serem vistas como iguais”, destaca Melina. Foto: arquivo pessoal
No Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino, celebrado em 19 de novembro, destacamos a inspiradora trajetória de Melina Mitsumi Enokibara Guelman, sócia da Neuro Senses, startup integrante do Parque Tecnológico da UFRJ. Formada em Business Empreendedorismo pela Universidade de Tel Aviv, Melina fundou sua primeira startup, “Menu for Tourist”, em 2014, e já atuou como diretora-geral da Federação de Motociclismo do Estado do Rio de Janeiro.
Ela acredita que características como resiliência e determinação, além das experiências da maternidade, tornam as mulheres especialmente aptas para empreender.
“Quando pensamos no perfil ideal para empreender, a resiliência é a primeira característica que vem à mente. E ninguém tem mais isso do que nós, mulheres.”
No Brasil, as mulheres representam 34% dos empreendedores, totalizando mais de 10 milhões de empresárias*. Apesar dos avanços, elas ainda enfrentam desafios como menor acesso a financiamento e a necessidade de equilibrar múltiplos papéis sociais.
Confira a entrevista na íntegra:
1.Nome completo e trajetória profissional
Meu nome completo é Melina Mitsumi Enokibara Guelman. Comecei a trabalhar muito cedo e, aos 19 anos, assumi como diretora-geral da Federação de Motociclismo do Estado do Rio de Janeiro. Acho que minha relação com o poder público começou ali, em um ambiente extremamente desafiador, pois eu era responsável por tudo relacionado ao motociclismo no Estado, em um universo que é 99,9% masculino.
Posteriormente, fiz um curso de Business Empreendedorismo na Universidade de Tel Aviv, em 2013.
Em 2014, criei minha primeira startup, chamada Menu for Tourist, e usei a Copa do Mundo no Brasil para validar o aplicativo, que recebeu o apoio de várias entidades importantes no país. Com o Menu, ganhei diversos prêmios no Brasil e no exterior, como BayBrazil Stanford, Google Exchange e Startup Turkey, e fui finalista de outros eventos de Startups também. Essa experiência me deu uma visão global do empreendedorismo e me conectou ao mundo do empreendedorismo feminino. Tanto que eu fui eleita pela Pequenas Empresas Grandes Negócios como um dos talentos que iriam brilhar no ano de 2016.
Nessa época, comecei a me relacionar com o Sebrae e viajava pelo Brasil divulgando o Menu, além de dar palestras sobre empreendedorismo feminino, principalmente nos estados do Norte e Nordeste, onde o ecossistema de startups ainda estava em fase inicial.
Depois, trabalhei como diretora-geral no Hillel, uma instituição judaica. Passei também pela experiência de ser empreendedora e grávida durante a pandemia. Mais tarde, auxiliei na reestruturação da Secretaria de Ciência e Tecnologia quando Eduardo Paes retornou como prefeito do Rio.
Durante esse período, participei de algumas startups como sócia, mas a Neuro Senses era onde eu via mais futuro, especialmente porque era um projeto desenvolvido por dois grandes amigos meus. No ano passado, decidimos que era a hora de fazer a Neuro Senses decolar, e desde então, estou cada vez mais presente como sócia para alavancar esse sonho.
2. A jornada do empreendedorismo: que a motivou a empreender e quais foram os momentos mais marcantes dessa decisão?
O que me motivou a empreender? Eu acredito que vem muito da minha criação. Eu trabalhava na federação desde os meus 15 anos e assumi a Federação de Motociclismo aos 19. Apesar de não precisar trabalhar, eu lidei com responsabilidades muito cedo, algo bem diferente dos meus amigos, por exemplo. Acho que isso fez com que eu começasse a enxergar o valor de ter algo próprio. No meu caso, comecei a almejar usar toda essa experiência que adquiri desde jovem em algo que fosse meu.
3. Desafios para mulheres no empreendedorismo: em sua visão, existem barreiras específicas que as mulheres enfrentam nesse campo? Como você lida com esses desafios no dia a dia?
Acho que os desafios para as mulheres no empreendedorismo ainda são muitos. Houve avanços, mas ainda temos um longo caminho. Existem, sim, barreiras, e lutamos muito para que elas deixem de existir. Perdi a conta de quantas vezes, na época do Menu, me perguntavam como eu iria conciliar uma startup caso um dia eu engravidasse, como eu lidaria com os papéis de mãe e CEO ao mesmo tempo.
No meu caso, sempre digo que senti menos impacto do que muitas mulheres, pois comecei a trabalhar em um universo majoritariamente masculino. Desde cedo, enfrentei preconceitos e precisei provar, pelo meu trabalho, que era capaz – muitas vezes mais capaz que muitos homens – mesmo em um ambiente que não favorecia as mulheres.
Fui uma das pioneiras no empreendedorismo feminino no Brasil, com uma startup da primeira leva. Aprendemos a lidar com os desafios juntos, mas, no fim do dia, as mulheres ainda precisam ser duas vezes mais competentes que os homens para serem vistas como iguais.
4. Perspectivas para o futuro: quais são os maiores gaps que você identifica no ecossistema de empreendedorismo atualmente, e o que acredita que poderia ser feito para superá-los?
Acredito que um dos maiores gaps no empreendedorismo é que, culturalmente, ainda precisamos “quebrar o sistema”. A sociedade brasileira não tem essa cultura empreendedora enraizada; as pessoas ainda tendem a buscar negócios com empresas tradicionais, com métodos tradicionais. Isso está muito ligado ao risco do país, pois, querendo ou não, uma startup ainda é vista como um negócio arriscado. No Brasil, há uma tendência de evitar o risco, e esse é um grande desafio para as startups.
Um exemplo disso é a conexão entre startups e o governo, algo em que trabalho bastante. O governo ainda tem muito a evoluir para entender que, muitas vezes, a solução que precisam é simples, acessível e mais barata do que imaginam – está bem ali, nas startups. Basta que saibam como negociar e se abrir para essas novas empresas. Mesma coisa as grandes empresas.
5. Parceria com o Parque Tecnológico da UFRJ:como a parceria com o Parque impacta diretamente no desenvolvimento e sucesso da Neuro Senses? Quais são os principais benefícios de estar inserida em um ambiente de inovação como esse?
Minha primeira startup foi criada em Israel, o berço das startups, um país que respira esse ecossistema. Lá, percebi que as startups mais promissoras tinham algo em comum: uma conexão com a universidade. A universidade garante que o que sai dali é de primeira linha tecnicamente. Quando você consegue juntar um time tecnicamente excelente com alguém com visão comercial, esse é o time ideal.
Quando conheci a Neuro Senses, ela ainda não era uma empresa, era um projeto do Ale, e estava dentro da UFRJ, uma das maiores universidades do país, com um laboratório por trás dando suporte. Percebi que não só o projeto era incrível, mas também tecnicamente viável e surpreendente. Sabia que precisávamos transformá-lo em um negócio. Um dos grandes fatores que nos motivou, a mim, ao Ale e aos nossos outros sócios, a transformar a Neuro Senses em um negócio foi o suporte contínuo da universidade.
6. Sustentabilidade e impacto social: como sua empresa está abordando temas de sustentabilidade ou impacto social? Isso é algo que influencia suas decisões como empreendedora?
Passei por uma situação muito delicada quando meu primeiro filho nasceu; por muito tempo, achei que poderia perdê-lo. Sempre tive em mente o desejo de fazer negócios significativos para o mundo, mas, depois do nascimento do Arthur e de tudo o que ele passou, isso se fortaleceu ainda mais. Quero que meus filhos tenham orgulho de mim, e me preocupo muito com o tipo de mundo que estou deixando para eles.
Uma das coisas que mais me atraem na Neuro Senses é a possibilidade de fazer negócios com algo disruptivo e com propósito. Focamos também em áreas que impactam saúde e educação, ajudando pacientes com condições neurológicas, como epilepsia e Alzheimer, e promovendo inclusão na educação, especialmente para crianças neurodivergentes. Buscamos diminuir barreiras para que elas possam viver uma vida mais próxima do normal.
Além disso, ajudamos empresas a entender melhor seus clientes e a adaptarem suas práticas para alinhar com os princípios ESG, algo que, felizmente, está cada vez mais presente nas organizações.
7. Influências e inspirações: existem figuras femininas no empreendedorismo ou em outras áreas que a inspiraram ao longo de sua trajetória?
Embora pudesse mencionar grandes mulheres conhecidas, as cinco mulheres que realmente mexem e impactam muito comigo são aquelas da minha vida. Minha mãe, por exemplo, se tornou uma grande inspiração para mim, especialmente depois que me tornei mãe. Eu a admiro ainda mais agora. Também carrego muito das minhas duas avós, inclusive profissionalmente; vejo traços delas em tudo que faço nos meus negócios, mesmo sem ter convivido com elas profissionalmente.
Minhas duas irmãs também são uma grande fonte de inspiração. Fomos criadas pelos mesmos pais, temos trajetórias profissionais brilhantes e, ainda assim, mantemos nossa essência. E é lindo ver como essa essência é transmitida para nossos filhos. Claro, existem outras mulheres que admiro, que são referências em suas áreas, mas as mulheres da minha vida são, sem dúvida, essas cinco.
8. Empreendedorismo na raiz: acha que o empreendedorismo deve ser estimulado desde a escola e/ou na universidade?
Com certeza, o empreendedorismo deve ser estimulado desde casa. Na escola, na universidade, sim, mas começar em casa é essencial. Características de um bom empreendedor, como resiliência, saber se comunicar, vender, organizar um time, negociar, gerenciar as finanças, desenvolver um produto e criar um storytelling, são habilidades que ajudam em qualquer área da vida.
Um bom empreendedor é aquele que consegue expressar suas ideias de forma clara e coerente, seja para clientes ou colaboradores, sempre com resiliência. Se meu filho, desde cedo, desenvolver essas características, ele será um ser humano muito melhor. Brinco aqui em casa que, para conseguir algo, as crianças têm que me convencer. Eu incentivo esse pensamento desde o início: para qualquer coisa, elas precisam fazer um “pitch” com bons argumentos.
Quando as escolas entenderem que, ao estimular o empreendedorismo, estão promovendo as principais habilidades esperadas de um bom profissional, isso será cada vez mais incorporado nas grades curriculares – algumas já estão começando a adotar essa abordagem.
9. Mensagem para empreendedoras: se pudesse resumir sua experiência em uma frase para mulheres que desejam empreender ou mesmo que já estão empreendendo, qual seria?
Quem disse que somos o sexo frágil está completamente enganado – nunca pariu um filho, por exemplo! Quando pensamos no perfil ideal para empreender, a resiliência é a primeira característica que vem à mente. Resiliência é algo que nasce com o empreendedor; ela precisa estar sempre presente. Além disso, temos que ser extremamente determinadas e ter metas muito claras do que queremos para nossas vidas. E ninguém faz isso melhor que nós, mulheres. Somos nós que geramos, damos à luz e nos preocupamos com o ser humano que colocamos no mundo e como ele irá se desenvolver para enfrentar as adversidades.
Por mais difícil que seja empreender, equilibrando múltiplos papéis, não existe ninguém melhor do que a mulher para isso. Não é coincidência que as empresas lideradas por mulheres tendem a ser mais bem-sucedidas. Minha mensagem é: é difícil, e não é nada glamouroso, mas nada para nós mulheres é fácil. Então, não desistam. O mais importante é entendermos que, unidas, vamos muito mais longe. Precisamos nos fortalecer mutuamente, pois esse mundo também é nosso.
Saiba mais sobre a Neuro Senses
Nota: As informações apresentadas foram fornecidas por Melina Mitsumi Enokibara Guelman em entrevista exclusiva.
*Fonte: G1
Tags:empoderamento feminino, empreendedorismo, feminismo, inovação, Parque Tecnológico da UFRJ, Rio de Janeiro, tecnologia