No mês marcado pelo Dia Internacional das Mulheres, queremos destacar o trabalho de grandes cientistas da UFRJ. E Alane Vermelho é uma delas.
Alane acredita que os bioprodutos obtidos de microrganismos representam o futuro verde da indústria. Professora de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora à frente do Laboratório Bioinovar, do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, Vermelho se dedica há mais de dez anos ao desenvolvimento de bioprodutos. “Fungos, bactérias e microalgas começam a ter esta inserção, sempre visando produtos não tóxicos, biodegradáveis e ecologicamente corretos”, ressalta a pesquisadora.
Exemplo de sua pesquisa é a produção de um corante biodegradável para cosméticos, maquiagens e esmaltes, que promete trazer “beleza limpa” a essa indústria. Além de ser um pigmento sustentável, uma vez que é produzido a partir de microorganismos, também tem potencial para não causar danos à saúde. A tecnologia está em fase de comercialização pela Inova UFRJ, entidade da responsável por patentear as inovações produzidas na universidade.
Se produzidos em larga escala, esses bioprodutos podem ser usados por diversas indústrias, como a da beleza e a do agronegócio.
“A biotecnologia industrial utiliza a microbiologia para produzir vários bioprodutos, em um processo altamente sustentável”, afirma a professora.
Foi pensando na sustentabilidade aplicada em diversas áreas industriais que o Parque Tecnológico da UFRJ possibilitou que a pesquisadora, com o seu laboratório, ocupasse um dos seus terrenos para a construção de uma planta-piloto. O projeto permitirá o escalonamento dessa tecnologia ou seja, que ela seja aumentada de escala laboratorial para escala industrial.
A planta contará com biorreatores, equipamentos modernos que darão suporte para bioprocessos biotecnológicos, além de um laboratório completo de microbiologia, com equipamentos para análises do metabolismo de microrganismos e secadores industriais. Como a inserção de bioprodutos no agronegócio é promissora, Alane já pensa em futuras parcerias com o Centro de Excelência em Fertilizantes e Nutrição de Plantas (Cefenp), que também será instalado no Parque.
“Consideramos o escalonamento uma das etapas mais importantes e decisivas para o estudo de viabilidade de um processo biotecnológico na indústria. A presença de uma planta piloto no Parque preenche uma lacuna que existe nas incubadoras e parques brasileiros, e irá permitir avanços nesta área, com alta inserção no sistema de inovação do Parque Tecnológico da UFRJ”, acredita Alane Vermelho.
Confira na íntegra a entrevista que fizemos com a pesquisadora:
1. Como a biotecnologia pode contribuir para um mundo mais sustentável?
A biotecnologia representa os processos biológicos que podem ser aplicados em diversas áreas, como a medicina, setor agrícola, bioenergia e no ambiente, entre outros. Envolve bioprodutos e bioprocessos e podem envolver modificações genéticas para melhoria da produção. Hoje, o conceito de sustentabilidade abrange utilizar os recursos naturais de forma equilibrada, de preferência repondo este recurso, mas também de poder utilizar os resíduos industriais. Desta forma, resíduos que são produzidos de forma contínua podem ser reutilizados como nutrientes em bioprocesso ou bio-transformados em outros produtos. A biotecnologia industrial utiliza a microbiologia para produzir vários bioprodutos em um processo altamente sustentável.
Podemos exemplificar citando a produção, de forma comparativa, de um produto obtido de plantas e de um produto obtido de microrganismos. Os produtos de origem vegetal terão um tempo de produção relativamente longo, dependem do clima, do solo, do tipo de semente, e competem com o setor agropecuário por terras cultiváveis. Um produto obtido de microrganismos tem um tempo de produção bem mais curto, tem a produção totalmente controlada, gerando alta reprodutibilidade. O sistema de produção ocupa um espaço pequeno e pode usar resíduos industriais, reciclando estes materiais. Além disso, os microrganismos são facilmente manipulados geneticamente, a fim de melhorar as características desejadas para um determinado produto.
Hoje, a tecnologia do DNA recombinante e engenharia metabólica permite, inclusive, a expressão de genes de plantas e animais em bactérias para produção de produtos. Além do exemplo clássico da produção de insulina humana em Escherichia coli (bactéria) e Sacharomyces cerevcisae (levedura), estamos vendo, por exemplo, a produção de leite por microrganismos e outros produtos por engenharia metabólica em startups brasileiras.
2. Por que o interesse em pesquisar biocosméticos?
Cosméticos que usam produtos naturais de plantas já são estudados com este fim e têm grande aplicação, como a babosa, camomila, vários óleos essenciais e etc.
Entretanto, bioprodutos obtidos de microrganismos usando bioprocesso – como, por exemplo, biopolímeros, pigmentos, enzimas, hidrolisados proteicos e biosurfactantes –, apesar do alto potencial, ainda não são totalmente explorados na indústria cosmética. Fungos, bactérias e microalgas começam a ter esta inserção, sempre visando produtos não tóxicos, biodegradáveis e ecologicamente corretos.
São produtos que, após estudos de escalonamento industrial, podem ser produzidos de forma sustentável, gerando inovação para o setor e produtos de alta qualidade, tendo até benefícios para a saúde de modo geral.
3. Qual é a importância da inovação?
Inovação está presente em todos os setores e pode representar algo completamente novo ou melhoras de produtos e processos já existentes. Ela representa a evolução, o aperfeiçoamento, o aumento da competitividade.
A ciência é um processo de inovação de fluxo contínuo. As empresas consolidadas investem em inovação, agregando valores nas melhorias de seus produtos, e nos lançamentos de novos produtos.
4. Nos últimos anos, 87% dos pedidos de patentes feitos na Inova UFRJ têm ao menos uma mulher listada entre os inventores, incluindo você, que tem uma patente viabilizada pela Inova UFRJ. O que acha dessa percentagem?
Acho importante e mostra a inserção das mulheres nas patentes, que são índices de inovação, mas não é ainda um índice geral no Brasil e no mundo. Devemos sempre visar o crescimento destes índices. Não só da participação das mulheres, como também no número de patentes que serão transferidas para o setor produtivo, fechando um ciclo e consolidando um dos papeis das universidades, que é o de transferir este conhecimento gerado para a sociedade.
5. O que diria às meninas que querem ser cientistas?
Incentivo total. Só tenho palavras de entusiasmo quando pensamos em uma carreira dedicada à ciência. Já fizemos um trabalho grande de divulgação, visitando escolas públicas e falando de ciência com crianças. É uma carreira com muitos desafios, exige dedicação, muito estudo e paciência. O esforço também é contínuo em busca de verbas adequadas para fazer uma ciência de qualidade. Mas os frutos, os resultados, compensam. Lamentamos quando vemos que a procura pela pós-graduação está decrescendo no Brasil.
6. Em breve, será inaugurada aqui no Parque Tecnológico da UFRJ uma planta-piloto inédita da Bioinovar, com biorreatores para escalonamento de até 150 litros. O que você espera desse trabalho a ser desenvolvido? Acha que estar dentro do ecossistema de inovação do Parque é um diferencial?
Este é um projeto que pode gerar grande repercussão na microbiologia industrial, na interação com empresas em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, no empreendedorismo, no apoio a empresas e startups de modo geral, incluindo treinamentos e prestação de serviços. Contamos com o apoio da UFRJ e do Parque Tecnológico de forma integral. O Parque nos permitiu ocupar um terreno, próximo à Inovateca. Consideramos o escalonamento uma das etapas mais importantes e decisivas para o estudo de viabilidade de um processo biotecnológico na indústria. A presença de uma planta piloto no Parque preenche uma lacuna que existe nas incubadoras e parques brasileiros, e irá permitir avanços nesta área, com alta inserção no sistema de inovação do Parque Tecnológico da UFRJ.
*Com informações do Ciência Hoje
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