Fonte: O Globo|
Os botos-cinza estão no brasão da cidade. Na natureza, resistem mesmo em meio à poluição das baías de Guanabara e Sepetiba. Já nas comemorações dos 450 anos do Rio, inspiram esculturas que vão espalhar arte e contar a história carioca numa exposição no campus da UFRJ no Fundão e que, depois, deve ganhar a orla da Zona Sul. No estilo da Cowparade (que fez sucesso por aqui em 2007 e 2011), serão 45 botos confeccionados em fibra de vidro, trabalhados por artistas convidados, como a carnavalesca Rosa Magalhães, e professores e alunos da Escola de Belas Artes (EBA). E, além de lembrarem um símbolo do Rio, vão chamar a atenção para o risco de extinção da espécie, na lista dos animais ameaçados no estado.
Todas as peças remetem a personagens, passagens históricas ou regiões do Rio, com o uso de diferentes técnicas, da pintura à colagem. Linha e parafusos foram o material usado por Bernardo Alves para lembrar as redes de pesca que põem os botos em risco no mar. Com madeirite cortado em pedacinhos, Karina Wolff criou o mapa do Rio, com todos os bairros da cidade representados. Cartazes como “compro ouro” e “trago seu amor de volta” compõem o “boto-poste” de Mariana Paraízo. Enquanto outras esculturas trazem o hino da cidade em braile, os mosaicos do calçadão de Copacabana, nomes de moradores do Complexo da Maré e até um boto Tom Jobim, do artista plástico Hélio Ferreira.
— Tom Jobim é um dos maiores nomes da música brasileira e ainda dá nome ao Aeroporto Internacional do Rio… Por isso, resolvi homenageá-lo. Fiz um boto como se fosse ele próprio, com chapéu, óculos na ponta do nariz e charuto. Na roupa, tem um pouco da calçada de Ipanema, teclas de piano, as palmeiras do Jardim Botânico e, no corpo, um trecho da música “Águas de março”. É uma figura divertida, que as pessoas vão logo reconhecer — diz Hélio.
O chapéu também é o acessório do boto mulato, do professor da EBA Ricardo Pereira, que se inspirou no cais do Valongo, onde os negros escravos desembarcavam no Rio, e na Pequena África, termo usado por Heitor dos Prazeres para designar a região em que o samba nasceu na cidade.
— Pintei imagens de sambistas antigos com escravos, mescladas com elementos da cultura africana. Pontuei momentos importantes que mexeriam com a imaginação das pessoas. Estou falando da cultura afro-brasileira de um ponto de vista alegre. Vem daí o colorido da pintura. É um boto de pele mulata, olhos verdes e sorriso maroto — afirma Ricardo.
Num primeiro momento, conta Carlos Terra, diretor da EBA, a exposição “Memórias do Boto” ficará aberta diariamente ao público em pontos da Cidade Universitária, como o prédio da reitoria e o Centro Tecnológico, de 28 de março a 30 de maio, das 10h às 17h, com entrada gratuita. Após esse período, diz ele, a ideia é levá-la, provavelmente, à orla de Copacabana.
— Vamos mostrar um pouco dos 450 anos do Rio através do trabalho de 23 alunos, 16 professores e seis artistas convidados. Eles vão representar o passado e o presente do Rio, dentro das comemorações dos 450 anos da cidade — diz Terra, ressaltando que a exposição marca ainda o início das comemorações dos 200 anos da EBA, que serão celebrados em agosto de 2016. — Além disso, nossa ideia é lembrar da ameaça de extinção do boto — continua.
Nesse sentido, a jornalista Katja Augusto, do Instituto Boto-Cinza, explica que a incidência deles ocorre desde Honduras, na América Central, até o litoral de Santa Catarina. Na Baía de Guanabara, no entanto, se quatro décadas atrás eles eram cerca de 400, atualmente não passam de 40. Já na Baía de Sepetiba, na Zona Oeste, está a maior concentração deles no mundo, estima-se que aproximadamente 1 mil. Mas, devido à pesca ilegal com redes de arrastão, a poluição e outras agressões ao meio ambiente, a população está diminuindo numa proporção dez vezes maior do que a capacidade de renovação da espécie. Só ano passado, diz ela, foram encontradas 64 carcaças de botos mortos na baía.
— O boto-cinza está na lista das 10 espécies ameaçadas no estado do Rio, sendo o único representante do meio marítimo. Também entrou na lista nacional de risco de extinção, do Ministério do Meio Ambiente. A exposição dá mais atenção à causa — diz Katja, que visitou ontem o galpão em que as peças estão sendo confeccionadas.
Cada uma delas tem cerca de 2 metros de altura (incluindo a base), em tamanho real em que os animais são encontrados na natureza. As esculturas são do artista plástico Gabriel Barros, que também é o autor de um dos botos. Gabriel usou técnicas dos barracões das escolas de samba e da confecção de máscaras de carnaval para o projeto. De um protótipo, fez as esculturas, primeiro, em isopor, que viraram modelos em fibra de vidro.
Para a visitação no Fundão, o público pode ir de carro ou ônibus, e circular pelo campus nos coletivos gratuitos da universidade. Em três dias da semana, segundas, quartas e sextas, haverá visitas guiadas por alunos do curso de História da UFRJ. O processo de criação está sendo documentado e vai virar o livro “Memórias do Boto”, que será lançado em 12 de agosto, data em que a EBA completa 199 anos.
O projeto é promovido pelo Parque Tecnológico da UFRJ, em parceria com a EBA, e faz parte do calendário oficial de comemoração dos 450 anos da cidade.