Fonte: Valor Econômico |
A reconstrução da indústria naval só estará completa quando o setor for capaz de desenvolver tecnologia e responder às demandas do mercado global com competitividade. A capacidade de inovação depende – além da instalação de estaleiros – da criação de um ambiente de negócios mais propício para o segmento de navipeças. O dinamismo exigirá integração da cadeia produtiva e planejamento de longo prazo. “O modelo adotado no país segue o conceito de cluster. O objetivo é criar três polos (Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul)”, diz Jorge Luis Ferreira Boeira, coordenador de energia da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
No Rio Grande do Sul, afirma Boeira, o projeto está mais avançado. Para formar um cluster, diversas empresas do mesmo segmento devem estar fisicamente próximas, estabelecer parcerias de cooperação e, claro, atuar na pesquisa e desenvolvimento de produtos. Em Rio Grande (RS), o martelar dos estaleiros começa a encontrar eco na criação do Polo Naval e Offshore de Rio Grande, projeto que engloba a estruturação de um arranjo produtivo local (APL) e a construção do Centro Avançado para a Inovação e Competitividade da Indústria Naval e Oceânica, dentro do Parque Científico e Tecnológico do Mar (Oceantec), projeto capitaneado pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg) que deve entrar em operação em 2016.
Danilo Giroldo, vice-reitor da Furg e gestor do Oceantec conta que o estaleiro Ecovix firmou parceria com o parque tecnológico, onde vai instalar o seu centro de P&D. “A vinda de um estaleiro como empresa âncora demonstra a capacidade do Estado para avançar na indústria naval, aprimorando os métodos construtivos e fortalecendo o segmento de navipeças para fomentar a inovação.”
Segundo Giroldo, a construção do cluster exigirá planejamento do setor público e engajamento da iniciativa privada. No Rio Grande do Sul, o cluster reunirá empresas nos municípios de Rio Grande, Pelotas e São José do Norte. Entre as demandas da construção naval está o desenvolvimento de cadeias como a de estruturas metálicas, estruturas de apoio (como escadas e andaimes), serviços de pintura e tubulações. “Realizamos um estudo para determinar os buracos na cadeia da construção naval. Agora temos de fomentar negócios nos segmentos críticos”, explica.
Ele acredita que a força do cluster vai atrair a tradicional metalurgia gaúcha para a indústria naval – que pode aproveitar o potencial das empresas instaladas na Serra Gaúcha. “Uma cadeia produtiva forte vai incentivar as metalúrgicas a criarem linhas para a produção de navipeças”, diz. O levantamento realizado pela Furg revela lacunas importantes em segmentos como instrumentos e medição, turbinas a gás, compressores e motores. “Para atrair investimentos, é preciso sinalizar que a indústria naval chegou para ficar.”
Outros arranjos produtivos com oportunidades de negócios na indústria naval são as áreas de química e eletroeletrônica. Ele ainda enxerga potencial para áreas como a de solda. “Os processos para soldar tubulações para águas profundas serão inovadores”, explica.
Ghissia Hauser, secretária-adjunta de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, afirma que o Brasil pode obter ainda diferencial na inovação em marketing e gestão. “Ainda há muito trabalho a ser feito nos estaleiros, mas temos a oportunidade de criar serviços e aprimorar a logística dos portos. A indústria naval não se resume a peças e embarcações.”
Apesar de arrojado, o projeto de cluster vai esbarrar na própria indústria naval. No Brasil, a maior parte dos estaleiros atua como montadores de embarcações, criando muito pouco e importando de peças a projetos. A área de serviços especializados é incipiente. Para conquistar capacidade de inovação, os estaleiros precisam, antes, adotar tecnologias para tornar o processo construtivo mais eficiente e melhorar a gestão. A transferência tecnológica tem acontecido de forma mais agressiva em empresas que firmaram parceria, ou se tornaram sócias, de estaleiro internacionais. “A chegada de empresas asiáticas está mexendo com a gestão e com o chão de fábrica dos estaleiros brasileiros. A tecnologia é uma ferramenta fundamental para a eficiência”, lembra Boeira, da ABDI.
Helio Mello, consultor para a área naval da empresa de tecnologia da informação Aveva, confirma a demanda por maior eficiência na produção. Segundo ele, os estaleiros brasileiros ainda buscam projetos em países como Romênia e Noruega e, por isso, demandam poucas soluções para desenhar embarcações. “Os investimentos têm acontecido em sistemas capazes de ampliar a produtividade no chão de fábrica”, comenta.
Ele acredita que, com o aumento da eficiência na fabricação, a demanda por novas ferramentas virá, o que inclui as para elaborar projetos de embarcação no Brasil. “A partir de certo ponto, as melhorias nos processos construtivos não serão suficientes para aumentar a produtividade. Os estaleiros terão de aprimorar os projetos para adequá-los a suas bases produtivas.”
Do ponto de vista institucional, as atividades ligadas à tecnologia e inovação também enfrentam desafios. Floriano Pires, coordenador da Rede de Inovação para a Competitividade da Indústria Naval e Offshore (Ricino), afirma que são muitas as dificuldades – principalmente de financiamento – para levar adiante as ações necessárias para a criação de um centro nacional de tecnologia em construção naval. “As linhas de fomento existentes, como as da Finep, não atendem às demandas da indústria naval”, diz.
Segundo ele, é necessário reavaliar e reorientar a alocação dos investimentos que estão previstos para pesquisa e desenvolvimento para ampliar o número de projetos de inovação. “Precisamos criar massa crítica.” Entre as ações, ele cita como primordial a ampliação de centros de pesquisa que atuem com indústria naval. “Basicamente temos o Coppe, o IPT e o Cenpes (da Petrobras )”. Essa carência é sentida na flexibilização das regras para uso de conteúdo local na produção das embarcações. “Como não temos condições de produzir a tecnologia necessária, as empresas precisam importar. Todos perdem”, comenta.
Carlos Padovezi, diretor de operações e negócios do IPT, percebeu uma redução significativa no dinheiro disponível para projetos de pesquisa. “Enfrentamos, nos estudos para indústria naval, uma espécie de crise, que afetou os orçamentos dependentes da Finep e também da Petrobras “, diz. No caso da Finep, a explicação pode estar, segundo ele, no fato de o Fundo Setorial do Petróleo ter sido englobado pelo Fundo Social, que começa a receber os recursos da área de petróleo. “O CT-Petro acabou. Boa parte dos projetos de inovação na indústria naval estavam ligados a essa fonte de recurso”, avalia. No caso da Petrobras, Padovezi não consegue explicar a queda nos recursos. “Ele simplesmente reduziram o orçamento.”
O agravante nesse caso é que o desenvolvimento tecnológico naval está totalmente dependente da cadeia de óleo e gás, de seus projetos e orçamentos. No caso da área de transporte e navipeças, as iniciativas ainda são escassas. Para fomentar a inovação nestes segmentos, a Finep lançou, no ano passado, uma chamada pública dispondo R$ 41 milhões, em recursos não-reembolsáveis, para projetos de novas tecnologias e equipamentos da indústria naval. O foco do edital foi o segmento de navipeças – em tecnologia para transporte – e o dinheiro está sendo aplicado em projetos cooperativos entre instituições de pesquisa científica e tecnológica e empresas do setor de navipeças para a navegação interior, cabotagem e longo curso. Segundo a Finep, 94 cartas de manifestação de interesse pela linha foram encaminhadas à instituição e 43 foram selecionadas para submeter os projetos para avaliação. Como resultado, a instituição aprovou 17 projetos, o que corresponde a um montante de R$ 24,1 milhões em aportes.
Já nos estaleiros, as atividades de P&D competem com os orçamentos para compra de tecnologia. “Inovação é um processo que exige planejamento”, analisa.